02 de março, 2025.
Investigadores da NOVA Medical School em Lisboa desvendam o papel crucial do intestino e da microbiota intestinal no tratamento da obesidade, abrindo caminho para abordagens mais personalizadas e eficazes. A bactéria Hafnia alvei surge como protagonista promissora neste novo paradigma.
A obesidade, um problema de saúde pública global com elevadas taxas em Portugal, pode ter no intestino o seu principal ponto de viragem para um tratamento mais eficaz. Conceição Calhau, Professora Catedrática da NOVA Medical School e investigadora do CINTESIS, defende que a chave para combater esta complexa doença passa por uma abordagem personalizada que considere a intrincada relação entre fatores genéticos, ambientais e, sobretudo, a microbiota intestinal.

Em vésperas do Dia Mundial da Obesidade, a investigadora lança um alerta: a obesidade não é uma condição uniforme, mas sim um espectro de desordens com causas e manifestações diversas. “Apesar da adiposidade ser o denominador comum, os mecanismos subjacentes variam drasticamente, desde alterações na saciedade a processos inflamatórios crónicos, resistência à insulina ou disfunções no metabolismo lipídico. Para um tratamento verdadeiramente eficaz, torna-se imperativo analisar a genética, o metabolismo individual e a composição da microbiota de cada paciente”, sublinha Conceição Calhau.
Os números em Portugal são alarmantes e reforçam a urgência de novas estratégias. De acordo com o estudo "O Custo e a Carga do Excesso de Peso e Obesidade em Portugal", mais de dois terços da população adulta portuguesa (67%) enfrenta excesso de peso ou obesidade, com uma prevalência de obesidade a atingir os 28,7%. O impacto económico é igualmente significativo, com custos diretos a rondar os 1,2 mil milhões de euros anuais, representando cerca de 0,6% do PIB nacional e 6% das despesas totais em saúde.
Embora a cirurgia bariátrica e os avanços farmacológicos representem ferramentas importantes, a investigadora aponta o dedo à dificuldade na adesão aos tratamentos, à falta de resposta de alguns pacientes e, principalmente, à manutenção da perda de peso a longo prazo. “O grande desafio reside em promover a perda de peso à custa da gordura em excesso, preservando a massa muscular”, explica.
É neste cenário que a microbiota intestinal emerge como um fator crucial na regulação do peso. Estudos recentes demonstram que a composição bacteriana do intestino difere substancialmente entre indivíduos com obesidade e aqueles com peso saudável. Esta diferença influencia mecanismos fisiológicos chave, como a regulação do apetite, o armazenamento de gordura e a absorção de nutrientes.
Uma das descobertas mais promissoras neste campo é o papel da bactéria Hafnia alvei. Esta bactéria produz uma proteína, a ClpB, que imita a alfa-MSH, um neurotransmissor fundamental na sinalização da saciedade. Investigações pré-clínicas revelaram que a suplementação com a estirpe Hafnia alvei (HA4597) pode induzir a perda de peso, diminuindo a ingestão alimentar e estimulando a lipólise – o processo de quebra da gordura armazenada para produção de energia.
Estes resultados foram corroborados por estudos clínicos robustos. Um ensaio multicêntrico, duplo-cego e controlado por placebo, envolvendo 236 participantes com excesso de peso, demonstrou que a suplementação com HA4597 durante 12 semanas resultou numa perda de peso significativa e numa melhoria do controlo glicémico. Estes achados reforçam a ideia de que modular a microbiota intestinal pode ser uma estratégia eficaz no tratamento da obesidade
.
A Dieta Mediterrânica como Aliada da Microbiota
A alimentação, o exercício físico, a qualidade do sono, o controlo do stress e a utilização de medicamentos são fatores bem estabelecidos como moduladores da microbiota intestinal. Para Conceição Calhau, a dieta mediterrânica destaca-se como um padrão alimentar particularmente benéfico, graças à sua riqueza em alimentos pré-bióticos (fibras) e probióticos (alimentos fermentados). “Infelizmente, em Portugal, perdemos o hábito de consumir regularmente leguminosas, hortícolas, oleaginosas e peixe, alimentos chave da dieta mediterrânica. A baixa adesão a este padrão alimentar, aliada ao sedentarismo, comprometem seriamente a nossa saúde”, alerta a investigadora.
A dieta mediterrânica, a prática de exercício físico regular, um sono reparador e a gestão do stress são pilares para manter a diversidade e o equilíbrio da microbiota intestinal. Contudo, Conceição Calhau adverte que a utilização de probióticos na forma de suplementos deve ser criteriosa e baseada em evidência científica sólida. “Não basta ver ‘probiótico’ num rótulo e assumir que é benéfico. Os probióticos são diversos, nem todos são cientificamente comprovados e um probiótico específico pode não ser adequado para todas as condições”, explica. Acrescenta ainda a importância de associar a toma de probióticos adequados à utilização de antibióticos, de forma a minimizar o impacto negativo destes fármacos nas bactérias benéficas do intestino.
“No tratamento não cirúrgico da obesidade, ou mesmo em fases iniciais de excesso de peso, a correção da disbiose intestinal (desequilíbrio da microbiota) deve ser uma prioridade, quando presente. Apesar dos avanços farmacológicos, uma intervenção eficaz exige abordagens integradas que considerem múltiplas dimensões. Já temos progressos importantes, tanto com soluções direcionadas como a Hafnia alvei, como em casos mais complexos com o transplante de microbiota fecal, ainda em fase de investigação”, conclui Conceição Calhau. Independentemente da estratégia terapêutica, o intestino assume um papel central na equação da obesidade.
Biocodex Microbiota Institute
O Biocodex Microbiota Institute é uma plataforma internacional de referência e especialização sobre a microbiota humana. O crescente interesse científico no papel da microbiota na saúde tem impulsionado inúmeras pesquisas. Com base na sua experiência e conhecimento, a Biocodex criou esta rede global para informar profissionais de saúde e pacientes sobre os avanços neste campo, promovendo o rigor científico.
Commenti