Uma equipa de investigadores do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) analisou observações da atmosfera de planetas do Sistema Solar, integradas com um simulador da abundância de compostos químicos, para ajudar a responder a perguntas sobre vida fora da Terra, vulcanismo em Vénus, ou a história da água em Marte.
Mesmo no nosso quintal cósmico, o Sistema Solar, diversas perguntas permanecem em aberto. Em Vénus existem formações semelhantes a vulcões, mas não se sabe se estão ativos. A superfície de Marte sugere que no passado houve um vasto oceano, mas como é que ele desapareceu está ainda por esclarecer. Por outro lado, as recentes deteções de compostos químicos que podem indicar a presença de atividade biológica em Marte e Vénus, as chamadas bioassinaturas, mantém bem acesa a procura por vida fora da Terra. As respostas podem estar na análise da luz que nos chega destes planetas, através das “impressões digitais” que as moléculas deixam no espectro (no “arco-íris”) dessa luz.
Um estudo, publicado neste mês na revista Atmosphere e liderado por João Dias, do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) e da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (Ciências ULisboa), utilizou simulações obtidas com um simulador de espectros planetários, o Planetary Spectrum Generator (PSG), desenvolvido pela Agência Espacial Norte-Americana (NASA), para analisar observações da luz infravermelha dos planetas Vénus, Marte e Júpiter. Usando o PSG, a equipa conseguiu explicar observações de alguns compostos químicos presentes em pequenas quantidades, mas de grande relevância para compreender melhor a química e a dinâmica das atmosferas desses planetas. Os resultados do estudo evidenciam também que este simulador da NASA é uma ferramenta eficaz para a investigação no âmbito das atmosferas planetárias.
Um dos compostos químicos analisados, o metano, pode ter origem tanto na atividade biológica, como em processos geológicos. É por isso que a sua presença elusiva em Marte, detetada pela sonda Mars Express, mas ausente nos dados da sonda ExoMars TGO, permanece um mistério. “Variando os parâmetros das nossas simulações, conseguimos explicar esta deteção e não-deteção de metano em Marte e compreender as condições e locais em que estas podem ocorrer”, explica Pedro Machado (IA & Ciências ULisboa), coautor deste estudo. “Este trabalho é um contributo para se esclarecer a associação do metano em Marte com a possível existência de vida.”
Outra incógnita no planeta vermelho, também com grande interesse para o campo científico da procura de vida fora da Terra, a astrobiologia, é o destino que teve a maior parte da sua água. Evidências sugerem que esta já correu em abundância no planeta, e que uma boa parte do hemisfério norte foi já um vasto oceano. Hoje, Marte é um deserto gelado.
“Conhecer a proporção entre duas variantes do hidrogénio, o isótopo deutério e o hidrogénio simples, ajuda-nos a compreender a evolução temporal da água em Marte”, explica João Dias. “O deutério é um átomo pesado de hidrogénio, o seu núcleo contém mais um neutrão, por isso água, H2O, composta por um átomo de deutério e um de hidrogénio, HDO, é mais pesada e escapará com mais dificuldade para o espaço. A comparação deste rácio a nível global e local em Marte, possível com este estudo, dá-nos informação valiosa sobre a evolução temporal da água marciana.”
Outro composto incluído nesta investigação, a fosfina, pode ser produzido espontaneamente em ambientes de alta pressão e temperatura na presença de fósforo e hidrogénio, os dois elementos químicos que a constituem. “É o que sucede em Júpiter, sendo a fosfina uma das responsáveis pelas coloridas bandas na atmosfera deste gigante gasoso,” esclarece Pedro Machado, “mas num planeta rochoso, como a Terra, onde estas condições extremas não existem, a sua presença está associada à atividade biológica.”
Por essa razão, quando em 2020 um estudo sugeriu a existência de fosfina nas nuvens de Vénus, a comunidade científica virou a atenção para este planeta. “Estudos posteriores realizados noutras condições e noutros comprimentos de onda da luz mostraram que a fosfina pode afinal não estar presente, ou estar em quantidades bem menores do que as inicialmente identificadas. O nosso trabalho mostra que em observações dedicadas no infravermelho, e para as altitudes e condições físicas que têm sido sondadas, não é possível detectar fosfina na atmosfera de Vénus, pelo menos considerando os valores propostos por esse estudo inicial.”
Ainda em Vénus, “o estudo da abundância de dióxido de enxofre a várias altitudes é muito importante para sabermos se existe atividade vulcânica”, acrescenta Dias. “Determinando com precisão a abundância deste composto a diferentes altitudes, como mostramos ser possível com o simulador PSG, conseguiremos estudar a sua origem.”
“Este trabalho é de grande importância para missões espaciais que estão agora a ser desenvolvidas, como a EnVision e a Ariel, ou já em curso, como a Mars Express, todas da Agência Espacial Europeia (ESA), nas quais o IA está envolvido”, realça Pedro Machado, que é coinvestigador destas missões. “Está a indicar-nos os valores esperados para estes componentes químicos, e permite que os instrumentos que estão a ser desenvolvidos para a EnVision e a Ariel, missões que ainda estão em preparação, possam ser otimizados para detectar estas moléculas nas quantidades expectáveis.”
“Em particular, missões como a Ariel, que irá estudar as atmosferas de planetas que orbitam outras estrelas que não o Sol – os exoplanetas – beneficiam muito deste tipo de estudos do Sistema Solar, que podem servir como modelo para o que esperamos poder vir a observar fora do Sistema Solar”, acrescenta João Dias. “O IA encontra-se na vanguarda destes estudos ao incluir na sua equipa de Sistemas Planetários especialistas tanto no estudo das atmosferas de planetas do Sistema Solar como na deteção e caracterização de exoplanetas”, salienta Machado.
por Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço
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