A arte de titular a toda a largura da primeira página não é para todos. Um bom título é uma chamada que marca mas também, não menos vezes, uma insinuação que mente e que engana.
O meu título mais feliz saiu num semanário que já não existe – “Norte Popular” – e diz, pura e simplesmente, “em Coimbra, meu amor, a loucura tem um palácio”. É o título de uma reportagem sobre uma “república” de estudantes de Coimbra, a Real República do Palácio da Loucura e está transcrito numa das paredes da própria casa, o que muito me orgulha.
Outro dos meus títulos para mim memorável, saiu no Jornal de Notícias e terá sido o único título em francês publicado neste centenário jornal português – “La Paix c’est Moi”. Queria sintetizar um encontro realizado, em Paris, entre Cavaco Silva, então primeiro-ministro de Portugal, e o então presidente de Angola José Eduardo dos Santos, encontro preparatório de um acordo de paz para uma Angola, então a sofrer uma guerra civil que envolvia a UNITA de Savimbi e o MPLA.
É uma paráfrase da expressão “L’Etat c’est moi”, atribuída a Luís XIV, o francês Rei Sol, e pretendia ironizar sobre o secretismo de um encontro tão reservado que nem mesmo o então ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, em Paris a acompanhar Cavaco Silva, teve a possibilidade de testemunhar, como seria natural.
À data destas reportagens, eu era um jornalista apaixonado pela profissão e gostava de encontrar um bom título para os trabalhos que ia publicando. Às vezes, como foi o caso do encontro de Paris, o título surgia antes de escrever a própria peça, mas em regra era a última frase a escrever. Sempre a lembrar-me de títulos históricos como um, que atribuo ao jornalista Carlos Pinhão, de “A Bola”, a sintetizar um jogo de futebol onde o Eusébio brilhou com um inultrapassável “Grande Eusebição”.
Infelizmente, há muitas “gordas” (expressão também utilizada para identificar os principais títulos dos jornais) que insinuadamente mentem e que se transformam em exemplos de desinformação quando lidas sem a leitura do texto que suportam e que, não raras vezes, desmente o próprio título.
Estou a escrever esta crónica no dia 1 de Abril de 2022, primeiro de Abril que outrora era data consagrada às mentiras, até na Imprensa, ao ponto dos jornais e da rádio rivalizarem no exercício de inventar a melhor mentira invariavelmente desmentida no dia seguinte.
E que volte a ser mentira que seja a mentir que a gente se (des)entende.
*por Júlio Roldão
Júlio Roldão, jornalista desde 1977, nasceu no Porto em 1953, estudou em Coimbra, onde passou, nos anos 70, pelo Teatro dos Estudantes e pelo Círculo de Artes Plásticas, tendo, em 1984, regressado ao Porto, onde vive.
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